quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Entrevista: O desafio da retenção do conhecimento nas empresas

Um dos entraves quando se fala em gestão de projetos é manter informações relevantes dentro da companhia. Leia a entrevista da doutora Blaize Horner Reich sobre o tema.

Por Luciana Coen, do COMPUTERWORLD

05 de dezembro de 2007 - 13h10

Uma das mais conceituadas especialistas em PMI (sigla para Project Management Institute, responsável por difundir melhores práticas em gestão de projetos), a professora e doutora Blaize Horner Reich, falou com exclusividade ao COMPUTERWORLD sobre os grandes desafios da área atualmente.

De acordo com ela, o principal problema enfrentado por organizações hoje é a retenção do conhecimento. Antes de obter seu doutorado na área, a Dra. Reich trabalhou na indústria de TI como gerente de projetos e consultoria, com foco em serviços financeiros e empresas de utilities.

Hoje, ela atua como professora da Segal Graduate School of Business da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá e como professora convidada da Tepleton College, na Universidade de Oxford.

Leia os principais trechos da entrevista concedida pela doutora Blaize, quando esteve no Brasil durante evento anual promovido pelo Chapter São Paulo do PMI.

COMPUTERWORLD – Qual é o seu trabalho atualmente no mundo acadêmico, além de lecionar?
DRA. BLAIZE REICH
– Meu projeto atual contempla modelos de risco e de performance de projetos de tecnologia da informação, discute o real papel dos gerentes de projetos especificamente na área de TI e o uso de conceitos de administração do conhecimento em projetos de governança de TI.

CW – Como a senhora veio do mercado de trabalho privado e não atuou somente em carreira acadêmica, como vê as principais dificuldades em gestão de projetos hoje?
BLAIZE
– Não tenho dúvida de que a principal dificuldade atualmente é a gestão do conhecimento. É muito comum ver PMOs (Project Management Officers) gerenciando pessoas, mas se esquecendo de trazer – ou organizar – o conhecimento trazido por estas pessoas. A questão das lições aprendidas (item importante na metodologia do PMBOK, livro do PMI) ainda é negligenciada. É preciso trazer know how, expertise, e saber manter na empresa, independentemente das pessoas que lá estão naquele momento.

CW – Como é possível ter uma idéia da perda de informações em projetos que são geridos sem este foco?
BLAIZE
– Em uma pesquisa feita na Inglaterra com 100 projetos, observou-se que 17% dos líderes saem no meio do processo. Em nenhum dos casos havia uma metodologia que fizesse com que o conhecimento trazido por este líder ficaria na companhia, para que outro líder pudesse assumir com algum subsídio.

CW – É possível fazer algo para que este turn over diminua?
BLAIZE
– Sim, está comprovado que, além de aumento salarial, a promessa de um bom projeto depois do atual ter terminado pode reter um talento. Líderes de projeto querem sair de um e entrar em outro. É o que gostam de fazer. É imperativo que se comece a fazer o gerenciamento de perda de conhecimento. Seria bom pensar inclusive em ter uma pessoa responsável por esta área em todos os projetos.

CW – Há outros problemas enfrentados por gerentes de projetos atualmente?

BLAIZE – Sim. Há muitas coisas que precisam ser melhoradas. A primeira delas é o fato de não fazerem, ao término do projeto, a fase de “lições aprendidas”. Os poucos que fazem, não documentam. Outro grande problema que eu vejo que ocorre no mundo todo é o fato de que o gerente não consegue selecionar as pessoas que ele quer no projeto, quem ele quer no seu time. O terceiro ponto é ter executivos de diversas áreas patrocinando o projeto e fazendo a ponte entre TI e área de negócios. Esta questão, alías, é delicada. Porque estes “patrocinadores” não podem sair no meio do projeto também. É preciso reduzir o turn over neste ponto.

CW – Como especialistas em ITIL – e especialmente a senhora – têm endereçado questões relacionadas a gestão de projetos? De que forma as duas áreas podem interagir em conjunto?
BLAIZE
– A metodologia ITIL está tentando entender – ou melhor organizar – a área de TI. Mas acredito que ITIL e PMI ainda precisem se ajustar. Ainda há muito o que integrar nestas questões. E estão neste movimento. É perceptível.

CW – Diante de tantos problemas ainda enfrentados por gestores desta área, por qual questão a senhora começaria?
BLAIZE
– Começaria por montar uma espécie de mapa do conhecimento. É preciso ter mapeado quem sabe o quê e onde está a informação ou como procurá-la para resolver um problema. Especialmente, um problema que já ocorreu alguma outra vez e já foi resolvido. E normalmente a equipe de projetos fica procurando outra forma de resolver aquilo pelo qual já passaram, de uma forma ou de outra.

CW – Diante da realidade da terceirização em tecnologia da informação, como ficam os projetos?
BLAIZE
– É complicado quando empresas diferentes fazem parte de uma mesma equipe de projetos. Com isto, é muito comum aparecerem conflitos de interesse, que têm muito a ver com emoções – porque não dizer isso mesmo? – e com política, conflitos de interesse.

CW – Qual é o seu histórico e porque você se especializou em gestão de projetos?
BLAIZE
– Comecei como profissional em TI. Fui, durante sete anos, administradora de dados, em uma hidroelétrica. Já naquela época começou a estudar a metodologia do PMI, mas ainda era muito pouco. Depois de outros empregos, tornou-se consultora independente, até que entrei para o mundo acadêmico.

CW – A senhora consideraria gerenciar um grande PMO em uma empresa ou prefere o mundo acadêmico?
BLAIZE
– Eu consideraria, sim, voltar para iniciativa privada, se a proposta for interessante. É muito bom olhar para trás e perceber o quanto você foi útil em uma organização, o quanto foi capaz de mudar. Fora isso, tenho dois filhos, que já têm mais de 20 anos, e posso trabalhar em ritmo mais pesado.

CW – Como a senhora vê o Brasil em termos de maturidade em gestão de projetos?
BLAIZE
– O Brasil está mais maduro e, principalmente, colocando em pauta diversas discussões interessantes. O Chapter Brasil do PMI têm feito um excelente trabalho na disseminação da metodologia.

CW – Quais são seus próximos projetos nesta área?
BLAIZE – Quero lançar um site interativo para gerentes de projetos, com base em minhas pesquisas acadêmicas.

CW - Qual é o futuro do PMI? A metodologia está sempre sendo revisada?
BLAIZE
– A mais recente atualização foi feita em 2004. Justamente nesta edição, falaram muito sobre a questão de “lições aprendidas”. A gestão do conhecimento é muito importante.